A fotografia democratizou a arte visual, tirou do pedestal a autoridade das artes plásticas e popularizou a imagem aproximando-se das pessoas comuns e dos seus hábitos. Em todos os estratos sociais a fotografia é sempre impactante, revela nossa vida diária, provoca emoções e amplia nossa percepção sobre o indivíduo e a sociedade. No início do século XX, com as chamadas artes contemporâneas, a relação entre fotografia e arte se estreitou ainda mais, e a fotografia indicou novos caminhos para a arte.
O caráter social e privado intrínseco à arte fotográfica, revolucionou o mundo das imagens, trazendo à tona os momentos mais impactantes das experiências do indivíduo e da coletividade humana.
A fotografia enquanto expressão, assume caráter indireto para com a realidade. Entende que a realidade não é captada tal qual a percebemos, porque não é uma coisa pronta e predeterminada, mas oscila a partir do olhar e da subjetividade de quem a observa. Tal fato pode ser percebido na utilização da fotografia por artistas como eu, que se utilizam desse método, para através da sua sensibilidade, transformar o real e dar um olhar poético para o concreto e o palpável.
Ao pendurar um dos meus quadros na parede, é possível ouvir uma voz dizendo : “se for de paz, pode entrar” ... eles dialogam, conversam silenciosa e profundamente com o interlocutor, convidam para entrar em casa, no ambiente, na imagem, no lugar, e de modo muito especial, convidam para um mergulho dentro de si, e a perceber belezas antes não sentidas aí.
É uma possibilidade de quebrar paradigmas e de avistar o belo e o extraordinário no simples, no natural, no cotidiano. É uma fotografia que testemunha o espaço, os gestos, a natureza, o ser humano, a vida se movimentando, inclusive nas tradições, nada é estático, tudo é maré. Desse modo, na minha obra, experimentamos o lugar como um arcabouço de significados. Aqui é importante distinguir espaço e lugar, pois, o espaço tem estreita relação com o tempo e é aí no espaço onde se dão as ações humanas e seus significados, são esses significados que fazem surgir o lugar. Os lugares surgem na obra como parte do espaço geográfico, mas principalmente, num movimento de vida, associado ao sentimento de pertencimento, de identidade. É um olhar que atravessa tempos e se movimenta amparado pela ancestralidade em cada clique.
No criar dessas imagens, as pinturas tatuadas em minha própria pele, ganham forma e força, é uma tribo que se reúne em foco através dos olhos. E o menino que nasceu no mar, tem caminhos abertos por terra e mato. Nessa conexão de trabalho, criatividade, imagem, arte, ancestralidade, pertencimento, busco nesses registros fotográficos captar essas lembranças dos ditos, não ditos, dos silêncios, e dar voz a memória daqueles que a fronteira do poder deixou à margem, sendo esquecidos e silenciados.
Vale citar Ecléia Bosi: “A lembrança é a sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no espírito de cada ser humano, aflora à consciência na forma de imagens lembranças”
Ao imprimir e criar essas imagens, elas se tornam lugares de memória, que se enraízam no concreto, no espaço, no gesto, no objeto e ganham formas e expressões, sacralizando o vivido e proporcionando às comunidades, as pessoas, as cidades, as manifestações culturais fotografadas, um olhar de si mesmo.
Neste contexto, esse Rogério aqui, transmite da sua realidade ao outro, num contato sem estigmas. A fotografia germinada a partir desse olhar do menino que nasceu no mar e no mato é uma experiência de presença, força, ginga, inspiração, poesia, conexão e fé. É mais que um objeto de decoração é arte que transmuta, acende, queima, molha, cheira, alegra e transborda num encontro de rio e mar. É um pisar no chão conectado com o sagrado o que promove uma percepção sensível das fronteiras entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, o que foi vivenciado e a imagem escolhida para ser transmitida.
Um forte abraço!
Rogério Silva